A PAUTA IDENTITÁRIA E A DIVISÃO DA ESQUERDA.

Recentemente, em uma aula, após passar o documentário “The mask you live in” que discute os papeis de gênero, mais precisamente como a cultura do machismo afeta os homens também, um aluno reclama: “professor eu queria assistir um documentário de direita também”. O aluno, que se identifica como direitista, pressupunha que o documentário era “esquerdista”.
Em outra aula, essa de política, quando perguntei o posicionamento político dos alunos, o que majoritariamente foi apresentado como identificação política eram os posicionamentos frente às questões da “pauta polêmica” ou da “pauta identitária”: casamento lgbt, feminismo, legalização da maconha, “bandido bom é bandido morto”, cotas para negros em universidades, etc.
Esses exemplos, associados a vários outros, deixam claro, a meu ver, que a pauta identitária (a pauta polêmica de modo geral) têm se sobreposto de longe às pautas típicas da esquerda, ou seja, a pauta classista, focado nas questões econômicas, de promoção de uma revolução socialista (cada vez mais fraca) ou de políticas de redução das desigualdades sociais.
É só ir a uma manifestação política da esquerda que veremos a enorme força da pauta identitária e como os “novos” movimentos sociais (movimento feminista, negro, lgbt, etc.) têm muito mais força que os movimentos classistas. Isso é visível nas camisas dos manifestantes, na quantidade destes e principalmente nos seus discursos.
Têm se tornado cada vez mais comum os discursos começarem apresentado a “identidade” do falante. Ex.: “eu, mulher, negra, periférica, lésbica…”, “Eu, homem, lgbt…” ou “Eu, mulher, negra, favelada, socialista”, etc. Achei especialmente interessante essa última apresentação quando ouvi, pois o “socialista” foi apresentado por último e me fez pensar: por quê? Agora é claro para mim que não é por acaso a “identidade” classista ter ficado por último. É que ela é menos importante de fato em parte significativa dos “novos” movimentos sociais.
Lembro de o Mauro Iasi, grande intelectual marxista brasileiro, ex-candidato a presidente pelo PCB, ser acusado de racista por integrantes do movimento negro em uma palestra e que esses mesmos integrantes desse movimento disseram que “preferiam mais Obamas que Che Guevaras na América”. Isso deixa claro o quanto a pauta “racial” ou “racialista” é mais importante que a pauta classista para esse movimento, ou em alguns casos, a classista nem tem importância.
Em outra situação um coletivo Ana Montenegro, um coletivo feminista-marxista, tentou levar para a marcha das vadias (um importante ato do movimento feminista) no Rio de janeiro, uma faixa, com claro teor marxista dizendo: “gênero nos une, classe nos divide” (ou algo do tipo) e foi impedida pela liderança do movimento.
Em outra situação, um chargista (que foi meu aluno rs) Vini Oliveira fez uma charge em que criticava a cantora Beyoncé por explorar o trabalho de costureiras asiáticas que ganhavam um salário miserável para a sua grife famosa. Sua página foi atacada por membros do movimento negro e do movimento negro-feminista, que fizeram diversas denúncias ao facebook, e fizeram sua página sair do ar. O chargista foi acusado de racista, machista, etc.
Eu, quando escrevi o texto que viralizou no fim de 2016, “professor, o senhor é gay?”, em que relatava uma aula sobre gênero e sexualidade, fui acusado por várias pessoas de estar querendo tomar à frente na fala, pois sou um homem branco, hétero que estava falando sobre gênero e sexualidade e esse não era o meu “local de fala”.
O fortalecimento dos discursos identitários pode ser visto nos discursos e posts sobre a morte da vereadora Mariele Franco (PSOL/RJ), o que predominou foi o discurso que ela foi morta por ser mulher, negra e lésbica, o que considero no mínimo um enorme exagero e um erro de análise e apaga o seu importante trabalho como vereadora que investigava a ocupação militar e denunciava a violência policial em áreas pobres.
Outro exemplo é o mapa de votos do deputado federal Jean Wylys, que é fortemente concentrado em áreas ricas da cidade do Rio de Janeiro, especialmente a zona sul. Embora o Jean seja do PSOL, um partido de esquerda, o seu eleitor, é o do movimento LGBT, contendo muitos com posicionamentos políticos à direita, que pressionam cada vez mais o Jean pela troca de partido.
Esses exemplos que dei acima mostram o quanto a pauta identitária têm suplantado as pautas classistas na esquerda e a própria esquerda têm usado essa estratégia de focar parte significativa de seu discurso e de sua ação nessa pauta, que está em voga.
A meu ver, isso mostra o quanto o capitalismo é triunfante em nosso momento histórico e até parte significativa da esquerda têm se esquecido cada vez mais da pauta classista e focado na pauta identitária e é um dos muitos fatores que explica o voto da esquerda se concentrar nas camadas médias e poucas vezes penetrar, de fato, a classe baixa. Mas esse ponto, eu desenvolverei em outro artigo, junto com a questão ideológica (no sentido marxista) dos novos movimentos sociais.
O foco na pauta identitária acaba funcionando como um véu que esconde, de certo modo, as contradições de classe na sociedade e afasta parte do “cidadão médio”, geralmente conservador, da esquerda e o entrega de mãos beijadas para a direita conservadora ou até fascista como Bolsonaro e cia.
Não estou aqui criticando esses “novos” movimentos sociais de modo geral, mas o que para mim são os seus “excessos de identitarismo”.
Esses movimentos são extremamente importantes e explicitam outras opressões que historicamente a esquerda também negligenciou, e isso precisa ser corrigido.
No entanto, o clima de acusação, de “caça” ao branco, machista, hétero, de classe média, onde parte da esquerda parece estar o tempo todo chamando uns aos outros de “esquerdomacho”, “transfóbico”, “heteronormativo”, fazer “coisa de branco”, etc. não ajuda em nada… mesmo que eu reconheça a legitimidade dessas pautas.
Enquanto isso, a direita está passando o rodo em todos nós, vivemos quase uma ditadura velada com Bolsonaro. Todo dia é uma porrada nova. Estamos regredindo décadas nos direitos sociais mais básicos, a miséria batendo à porta de milhões de brasileiros novamente…
Mas setores da esquerda ou da “esquerda” querem colocar no centro do debate se Anita cometeu ou não “apropriação cultural” com o seu último corte de cabelo… ou se homens podem ou não falar de feminismo, etc.
Precisamos retomar a questão de classe, pois a direita está passando o rodo em nós e na esquerda fica um chamando o outro de “esquerdomacho”, “transfóbico”, etc.
Ah, claro que serei acusado de ter escrito esse texto por ser homem, hetero, machista, homofóbico, branco, etc. por ter escrito esse artigo. Afinal, o que importa é a identidade, não é?

Fonte consultada:
https://theintercept.com/2018/06/01/politica-identitaria-asad-haider/

A imagem abaixo é do filme “Terra e liberdade”, de Ken Loach, que trata da guerra civil espanhola e a divisão da esquerda, que lutava entre si e favoreceu assim, a vitória dos fascistas aliados de Franco e Hitler.

Redação

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